Trump está a optar por escolhas extremadas e perturbadoras. O provável Secretário de Estado é uma ofensa para a dimensão do cargo. A noção de que “dos EUA podemos sempre esperar que o melhor está vir” está claramente em risco nos próximos quatro anos
Nos dias que sucederam à inesperada eleição de Donald Trump, houve quem insistisse na ideia de que “o sistema de pesos e contrapesos iria moderar a ação do futuro presidente Donald Trump”.
Mesmo com um ou outro gesto inicial que parecia endossar esse caminho (elogios ao Presidente Obama, tentativa de trabalhar num cenário de Mitt Romney no Departamento de Estado), a verdade é que está cada vez mais claro que Donald Trump pretende escolher, no seu mandato presidencial que se iniciará a 20 de janeiro, uma via extremada e perturbadora.
Quase tudo o que foi conquistado nos oito anos de presidência Barack Obama – e em muitos casos, já com cedências e limitações – está em perigo.
Trump tem escolhido, para postos fundamentais da sua administração, negacionistas das alterações climáticas (Steve Bannon, Scott Pruitt, Rex Tillerson), negociadores da alta finança avessos à regulação dos mercados (Gary Cohn para Conselheiro Nacional de Economia; Steven Mnuchin, um ‘lobo’ de Wall Street para o Departamento do Tesouro), generais da linha dura que duvidam das virtudes do ‘soft power’ (James ‘Mad Dog’ Mattis para o Pentágono, o general Mike Flynn para Conselheiro de Segurança Nacional).
‘Make America Great Again’? Só talvez numa lógica de uns EUA do passado, isolacionistas, protecionistas, avessos ao multilateralismo e a olhar com desconfiança a necessidade de abraçar diferentes pontos de vista.
Entre várias escolhas que já definem um padrão, há uma conclusão clara a tirar: o tal defensor dos ‘descamisados’, de quem foi deserdado da globalização, das famílias da Rust Belt que o poder democrata terá esquecido nos últimos oito anos, vai, afinal, governar muito próximo de Wall Street, dos interesses da alta finança.
Outra conclusão que se tira é que a falta de credibilidade política do sucessor de Barack Obama tem-no impedido de encontrar soluções politicamente fortes para postos chave da sua administração.
Daí estar a preparar o governo com mais peso de chefias militares das últimas décadas na América.
Com forte presença de figuras dos negócios e da grande banca. E fraca participação de líderes políticos com peso, sendo que, ao contrário de Obama (que se preocupou nas duas administrações que liderou em colocar sempre alguns republicanos), não há, para já pelo menos, qualquer exceção democrata na futura presidência Trump.
O questionário que a equipa de transição de Trump enviou para o Departamento de Energia, no sentido de saber que a orientação ideológica dos funcionários em relação a temas como o aquecimento global, e respetiva presença em ações e conferências sobre o tema, dá conta de que a mudança de orientação da administração americana no assunto é mesmo para levar a sério – e atingirá diferentes níveis de poder e responsabilidade.
A escolha de Scott Pruitt, procurador-geral do Oklahoma, forte opositor da existência da Agência de Proteção Ambiental, para dirigir… a Agência de Proteção Ambiental (mais ou menos o mesmo que colocar a raposa a mandar no galinheiro), é outro sinal de que Trump quer mesmo revolucionar o posicionamento americano num tema fundamental para o futuro dos EUA e do mundo.
O nome apontado para Secretário de Estado é uma ofensa à dignidade e dimensão do cargo.
Para chefe da diplomacia americana, e depois de ter colocado de parte os cenários Mitt Romney e Rudy Giuliani, Donald Trump prepara-se para propor ao Senado o nome de Rex Tillerson, CEO da Exxon Mobil.
Sem qualquer experiência diplomática ou política, Rex, que lidera uma gigante petrolífera, tem a particularidade de ser próximo de Vladimir Putin, que até já o condecorou.
A relação do texano Tillerson com o presidente russo remonta aos tempos de Ieltsin no Kremlin.
Ao pretender que Rex Tillerson assuma a liderança do Departamento de Estado, Donald Trump está a dar um fortíssimo sinal de que a tal “relação especial com Putin”, que muitos antecipavam durante a campanha, é mesmo para levar a sério.
Um sinal destes é especialmente perturbador quando, ao mesmo tempo, a Casa Branca ainda de Obama garante ter indicações de que houve mesmo pirataria informática russa a interferir no processo eleitoral americano.
O Presidente Obama já pediu investigação aturada sobre o tema. A CIA garante que é mesmo verdade. Trump desvaloriza e fala em “desculpas esfarrapadas” dos democratas.
A eleição de Trump teve este efeito na política americana. Quando pensamos que era difícil descer mais baixo, descobre-se um novo fundo.
Os americanos elegeram alguém que não dá especial importância à verdade e à factualidade. Que reage no twitter ou num declaração sem preocupação com os factos, mas consegue desviar o foco do essencial, levando milhões de americanos a perder a noção da realidade, colando-se a perceções mais apelativas e simplificadoras.
O pior pode mesmo estar para vir.
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