O fundador da Cambridge Analytica falou na última Web Summit, em Lisboa. Contamos-lhe o que ele disse. E o que escondeu - milhões de dados tirados do Facebook, operações na sombra, Trump e mulheres.
Foi filmado a dizer que recorria a práticas ilegais, “nas sombras”, e a mulheres para seduzir opositores políticos e ganhar eleições. Confirmou que foi o cérebro por detrás da campanha de Donald Trump e que foram os dados recolhidos pela empresa que liderava, a Cambridge Analytica, que colocaram o republicano na Casa Branca. Horas depois de o Channel 4 ter revelado esta investigação, o inglês de 42 anos foi suspenso com efeitos imediatos e regresso pendente de uma investigação autónoma à sua conduta.
Alexander Nix, fundador e presidente da empresa de análise de dados no centro da polémica das 50 milhões de contas de Facebook que foram usadas indevidamente para ajudar a eleger Donald Trump é o “génio” que explorou a privacidade de milhões de pessoas. O mesmo “génio” que se sentou durante 19 minutos no palco principal da Web Summit, no Altice Arena, em Lisboa, a 9 de novembro, para responder às perguntas de Matthew Freud, responsável pela empresa de relações públicas internacional Freud Communications. Da sua boca, saíram palavras como “justiça”, “liberdade”. Isso foi o que ele disse. Agora, está a descobrir-se o que ele escondeu e não disse.
O que Alexander Nix disse em Lisboa sobre a campanha de Trump…
–– O seu trabalho para a campanha de Donald Trump ultrapassou alguma barreira?
— É uma boa pergunta… Acho que estas eleições vão ser lembradas por muitas razões, algumas mais controversas do que outras. Gosto de pensar que as pessoas se vão lembrar destas eleições porque foram as primeiras verdadeiramente orientadas pelos dados. Foram as primeiras eleições em que o poder da análise e da previsão do ‘big data’ foi usado para tomar decisões de forma informada, enviar mensagem e alocar recursos de uma forma que nunca tínhamos visto antes.
— É uma boa pergunta… Acho que estas eleições vão ser lembradas por muitas razões, algumas mais controversas do que outras. Gosto de pensar que as pessoas se vão lembrar destas eleições porque foram as primeiras verdadeiramente orientadas pelos dados. Foram as primeiras eleições em que o poder da análise e da previsão do ‘big data’ foi usado para tomar decisões de forma informada, enviar mensagem e alocar recursos de uma forma que nunca tínhamos visto antes.
Esta foi uma das respostas de Alexander Nix em Lisboa. Mas à luz das revelações feitas por Christopher Wylie, que trabalhou na Cambridge Analytica durante a campanha eleitoral norte-americana, houve pelo menos 50 milhões de barreiras que foram ultrapassadas por Nix, mas que este não revelou às 60 mil pessoas que esgotaram a Web Summit: as dos 50 milhões de utilizadores do Facebook que viram os seus dados serem utilizados, sem saberem, para prever qual seria o seu sentido de voto nas eleições de novembro de 2016.
Na cadeira em que se sentou no Altice Arena, Alexander Nix resumiu nestes termos o que a Cambridge Analytica faz: “Estamos aqui para servir os nossos clientes. Apenas lhes damos as ferramentas de que precisam para chegarem aos seus objetivos“. E delimitou fronteiras, que agora parecem dúbias: “Não somos uma empresa política, mas sim de tecnologia. Temos clientes de todas as alas políticas”. Sem hesitar nas palavras, explicou que a ciência de dados “não é penicilina” e que não era este tratamento de dados que fazia “de um mau candidato um bom candidato”. Mais tarde, ressalvou: “Numas eleições, se as sondagens entre dois candidatos forem muito próximas, a ajuda que a Cambridge Analytica dá pode ser fundamental”.
— Devemo-nos preocupar com a quantidade de dados que têm sobre nós e a forma como vão utilizá-los?
— Não, acho que não têm. Acho que a maioria das pessoas voluntaria mais dados e dados que são frequentemente mais prejudiciais nas redes sociais do que aqueles que nós temos. Os nossos dados são benignos, como o tipo de carro que conduzes, as revistas que lês ou os cereais que comes ao pequeno-almoço. Isto não é propriamente intrusivo ou muito revelador.
— Não, acho que não têm. Acho que a maioria das pessoas voluntaria mais dados e dados que são frequentemente mais prejudiciais nas redes sociais do que aqueles que nós temos. Os nossos dados são benignos, como o tipo de carro que conduzes, as revistas que lês ou os cereais que comes ao pequeno-almoço. Isto não é propriamente intrusivo ou muito revelador.
No centro da polémica na altura estava (e continua a estar) a alegada interferência russa nas eleições norte-americanas e a forma como as redes sociais foram utilizadas para ajudar a promover Donald Trump. Sobre o papel da sua empresa no processo, Nix foi perentório. Para o britânico, a ideia é por si só “absurda”: “Não, não trabalhámos com a Rússia nem com terceiros ao longo desta campanha. A ideia de que a Rússia interferiu significativamente nas eleições norte-americanas é simplesmente absurda. É inconcebível. Eram precisos meses para que um russo ou outra pessoa qualquer conseguisse construir dados suficientes para isso. Era possível, mas precisavam de tempo”.
Na Web Summit, antes de se conhecerem os dados agora tornados públicos, Alexander Nix jurou que o seu trabalho procurava ajudar a “termos eleições que são justas e livres”, que a Cambridge Analytica “é uma empresa privada”, que só aceita as propostas que são “uma oportunidade de negócio”, independentemente de onde vêm. “Tentamos sempre alinhar as campanhas que aceitamos com aquilo que é o consenso da empresa.”
No palco do Altice Arena, não houve espaço para falar sobre formas de segmentação da população. Só para “justiça”. Nix contou como acredita que as pessoas querem ter mais controlo sobre os seus dados, saber como são usados, para que são usados. “Querem poder ver algum retorno da informação que está a ser usada. Estamos a investir muito em tentar entender como pode haver uma troca justa destes dados pessoais por serviços ou outras remunerações, sem que as pessoas sintam que nos estamos a aproveitar delas“, afirmou.
.. e o que (na verdade) Alexander Nix fez para eleger Trump
Quatro meses depois de Alexander Nix ter pisado o Altice Arena, Christopher Wylie contou o que estava escondido desde 2014: “Aproveitámos o Facebook para recolher milhões de perfis e construímos modelos de análise para — através do que ficámos a saber sobre estas pessoas — direcionarmos conteúdos pensados nos seus maiores medos”. Problema: nenhum destes utilizadores soube que os seus dados pessoais estavam a ser usados para este fim.
A Cambridge Analyica recolheu os dados dos utilizadores através da aplicação “Thisisyourdigitallife”, desenvolvida por Aleksandr Kogan, um estudante da Universidade de Cambridge que trabalhou em colaboração com a empresa de análise de dados. Quem utilizou a aplicação recebeu dinheiro para que a empresa acedesse aos dados disponíveis na rede social, que seriam utilizados “para uso académico”. Bastava que as pessoas fizessem um teste de personalidade para que, à semelhança de outras aplicações que integram a plataforma, como jogos, a Cambridge Analytica acedesse aos seus dados pessoais e não só. A app permitia que toda a rede de amigos destes utilizadores ficasse exposta. Ou seja, os dados pessoais destes amigos também chegaram às mãos da empresa
Entre novembro de 2017 e janeiro de 2018, jornalistas de uma equipa de investigação do canal de televisão britânico Channel 4 fizeram-se passar por representantes de um cliente no Sri Lanka, que queria eleger candidatos nas próximas eleições locais, para conseguir reunir com os executivos da Cambridge Analytica em hotéis de Londres. As reuniões foram gravadas sem que estes soubessem e foi assim que Nix admitiu, sem hesitar, que subornava políticos, recorria a táticas ilegais e usava “mulheres ucranianas” para seduzir opositores.
Alexander Nix confidenciou ainda que a empresa “opera através de diferentes veículos, nas sombras”, e que costuma enviar “algumas mulheres a casa” de opositores políticos do cliente, para conseguirem informação ou material confidencial. Ao lado do britânico estavam Mark Turnbull, director-executivo da Cambridge Analytica, e Alex Tayler, diretor de informação. É Tayler quem explica que a empresa recolhe dados de pessoas para ter uma “maior percepção sobre como segmentar a população” e “transmitir mensagens sobre assuntos com que se importam, em linguagens e com imagens que os atraiam”.
No último episódio do trabalho de investigação do Channel 4, Alexander Nix revela que se encontrou com Donald Trump várias vezes. “Fizemos investigação, recolhemos todos os dados, fizemos todas as análises, toda a campanha digital e televisiva e foram os nossos dados que suportaram toda a estratégia” do então candidato republicano.
No mesmo trabalho, vê-se e ouve-se o diretor Mark Turnbull a explicar o caminho para a vitória de Trump no colégio eleitoral quando teve menos três milhões de votos da população: “Isso deveu-se aos dados e à investigação. Porque fizeram os comícios nos locais certos, mudaram o sentido de voto de mais pessoas-chave no dia das eleições e foi assim que ele ganhou as eleições. Ganhou por 40 mil votos em três estados”.
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