Dario Viganò, responsável pela secretaria da comunicação do Vaticano, demitiu-se depois da polémica em torno da carta de Bento XVI sobre o Papa Francisco, caso que ficou conhecido como "Lettergate"
Dario Viganò era o prefeito da secretaria da comunicação do Vaticano
O monsenhor Dario Viganò, o clérigo que é o mais alto responsável pela secretaria de comunicação do Vaticano, demitiu-se esta quarta-feira na sequência da polémica em torno da carta de Bento XVI revelada na semana passada — caso que ficou conhecido como “Lettergate”. A informação foi divulgada pelo assessor de comunicação da Santa Sé, Greg Burke, em comunicado.
O Papa Francisco já aceitou a resignação de Dario Viganò. O secretário daquele dicastério, Lucio Adrián Ruiz, ocupará o lugar interinamente até à nomeação de um novo prefeito.
Na carta de demissão, Dario Viganò refere que sai devido às “várias controvérsias” que “desestabilizam o complexo e grande trabalho de reforma” que está a ser levado a cabo na Cúria Romana, também na área da comunicação.
O Vaticano tinha divulgado no último sábado a totalidade de uma carta escrita pelo Papa emérito Bento XVI sobre o Papa Francisco, na sequência de críticas sobre a omissão de partes do texto e de uma manipulação digital com uma fotografia.
A parte da carta que não tinha sido divulgada explica o motivo pelo qual Bento XVI recusou escrever um comentário numa nova compilação de livros do Vaticano sobre a formação filosófica e teológica de Francisco e destinada a assinalar o seu quinto aniversário de pontificado.
Bento XVI assinalou que os autores envolvidos no projeto emitiram ataques “virulentos” e “anti-papistas” contra o consulado do seu sucessor e disse estar “surpreendido” pela inclusão de um teólogo contestatário nos 11 volumes da “Teologia do Papa Francisco”.
“Estou certo que podem compreender porque declinei”, escreveu Joseph Ratzinger. A carta, concluída a 7 de fevereiro, foi lida pelo prefeito da secretaria de Comunicação, Dario Vigano, durante a apresentação dos 11 livros escritos por vários autores e publicados pela Librería Vaticana.
De diversos setores, em particular do meio mais conservador, começaram a surgir críticas pelo facto de o Vaticano não ter publicado a totalidade da carta, e, sobretudo, que tivesse sido utilizada uma foto com os últimos parágrafos desfocados numa tentativa de ocultar a totalidade do conteúdo.
No texto completo, surgem parágrafos em que o Papa emérito exprime a sua surpresa por surgir entre os autores da compilação o teólogo Peter Hunermann, que durante o seu pontificado “se distinguiu por ter liderado iniciativas anti-papais”.
Bento XVI assinala que o teólogo alemão também atacou “de forma virulenta” a encíclica “Veratis Splendor”, de João Paulo II, e a “autoridade magistral do Papa em particular sobre a teologia moral”, para além de citar outros casos.
Em comunicado, o Vaticano argumentou que apenas as partes “consideradas apropriadas e relevantes” para a apresentação dos livros foram exibidas. “Para acabar com as dúvidas, foi decidido publicar a carta na íntegra.”
Papa quer que Viganò fique como conselheiro
Na carta de demissão que apresentou ao Papa Francisco, o até hoje responsável máximo pela comunicação do Vaticano lembra as “várias controvérsias” que surgiram nos últimos dias.
Essas controvérsias “desestabilizam o complexo e grande trabalho de reforma que me confiou em junho de 2015 e que vê agora, graças ao contributo de várias pessoas a começar pelos funcionários, a sua reta final”, escreveu Dario Viganò.
Viganò agradece ao Papa pelo “apoio paternal” e pela “renovada estima” e pede-lhe que aceite a sua resignação para evitar que a sua presença na Cúria Romana “possa, de qualquer forma, retardar, causar danos ou mesmo bloquear” o trabalho da secretaria.
Francisco respondeu esta quarta-feira numa carta em que aceita a “decisão de ‘dar um passo atrás’ na responsabilidade direta do dicastério para a comunicação”.
O Papa pediu a Dario Viganò que se mantenha na secretaria da comunicação como conselheiro, para que seja capaz de “dar o contributo humano e profissional ao novo prefeito”, nesta “fase final” da reforma.
Bento XVI denunciou “preconceitos tontos” contra Francisco
A carta tinha sido notícia pela primeira vez na semana passada, com o destaque a ser dado apenas à primeira parte do texto. “Aplaudo a iniciativa”, escreveu o Papa emérito, referindo-se à publicação dos livros sobre a formação teológica do Papa Francisco.
A iniciativa, continuou Bento XVI, “contradiz os preconceitos tontos daqueles que acham que falta ao Papa Francisco uma particular formação teológica e filosófica, enquanto eu teria sido apenas um teórico da teologia, com pouca compreensão da vida concreta das vidas dos cristãos hoje”.
Para o Papa emérito, os livros demonstram “cabalmente que o Papa Francisco é um homem com uma profunda formação filosófica e teológica e demonstra a continuidade interna entre os dois pontificados, não obstante todas as diferenças de estilo e de temperamento”.
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