terça-feira, 16 de agosto de 2016

Israel cada vez menos democrata.

Sempre que podem, os representantes de Israel lembram que se trata da única democracia do Oriente Médio.

Informação incorreta, pois o regime do Líbano também é democrata, apesar dos defeitos.
Ah, mas Israel, dizem não só israelenses, como também figuras dos EUA e da Europa, Israel é uma democracia perfeita.
Talvez nem tão perfeita assim. Há quem considere que seu regime tem no DNA a mancha do apartheid.
Vou citar alguém insuspeito. Yossi Sarid, ex-ministro da Educação (2008), que disse: “O que age como apartheid, é governado com apartheid e tiraniza como apartheid, não é um pato- é apartheid. O que nos deveria assustar não é a definição da realidade, mas a própria realidade. ”
Para Sarid, Israel só é democrático em relação a seus cidadãos judaicos. Os árabes israelenses seriam discriminados.
O judeu americano Richard Falk, ex-relator da ONU para a Palestina, concorda com ele. E denuncia que Israel cria condições insuportáveis para forçar os palestinos a deixarem Jerusalém Oriental e a Cisjordânia, tais como: “ revogação de permissões de residência, demolição de estruturas residenciais construídas sem permissão do governo (quase impossível de conseguir) e despejo forçado de famílias palestinas. ”
Segundo ele, até meados de 2014, cerca de 11 palestinos perderam seu teto.
Mas as coisas ficaram mesmo piores depois que Netanyahu assumiu seu atual governo.
Com ele, a imagem de perfeição da democracia israelense começou a virar sorvete.
Diante da entrada no país de grande número de etíopes, Netanyahu afirmou: “A onda de imigração ameaça o caráter judaico e democrático do Estado de Israel. ”
Por isso, fez aprovar lei que pune com três anos de prisão os imigrantes ilegais e com penas que vão  a até 15 anos para quem os ajudar.
Em outra disposição discriminatória, nos casamentos mistos judeu-palestino, é negada entrada em Israel ao cônjuge de origem palestina. Essas leis despertaram indignação entre os setores liberais e esquerdistas
Zahava Gal-On, líder do partido Meretz, considerou  “draconianas as restrições nos direitos dos cidadãos árabe-israelenses. ”
Talvez pelas reações negativas internas e também da comunidade internacional, Netanyahu interrompeu seu furor discriminatório.
Até quando vieram os ataques a faca, pedradas e atropelamento contra judeus por árabes-israelenses desesperados.
Houve indignação geral.
O primeiro-ministro aproveitou a oportunidade para se mostrar um campeão na defesa da população judaica.
Seu governo promoveu uma lei que autoriza a prisão de meninos a partir de 12 anos e meninas a partir de 14 anos por assassinato, tentativa de assassinato ou assassinato culposo.
Como a maioria dos atentados de crianças é feita através do lançamento de pedras, esse ato poderá ser enquadrado como tentativa de assassinato. Mesmo que cause ferimentos leves ou até que não atinja ninguém.
A opinião pública enfurecida com os atentados aplaudiu essa punição rigorosa.
Dá para compreender: já que qualquer cidadão israelense pode ser atingido, todos se sentem em grave perigo.
Assim, Netanyahu reforçou sua imagem de defensor do seu povo.
Por outro lado, vemos que a nova lei está combatendo o ódio palestino pelos sintomas- ou seja, os atentados. Não pelas causas – a ocupação e a discriminação.
Eliminando os sintomas não se curam doenças.
Não vai adiantar reprimir a presente sucessão de ataques de atentados pelos palestinos. Enquanto não se eliminar suas causas – retirando as tropas de ocupação e igualando os direitos de cidadãos judaicos e árabes em Israel – os atentados  voltarão,  pondo  em risco a segurança de Israel e dos seus cidadãos.
Além disso a nova legislação, além de possibilitar a qualificação como crime grave o lançamento de pedras (raramente mortais), ela pune crianças com o rigor que se pune adultos infratores.
O que fere os princípios da Declaração Universal dos Direitos das Crianças.
. Esta é a posição do tradicional movimento israelense pró-direitos humanos, o B´Tselem: “Em vez de mandá-los (as crianças) para a prisão, Israel faria melhor em manda-los para escolas onde eles pudessem crescer em dignidade e liberdade e não sob a ocupação. Esta lei nega aos menores a chance de um futuro melhor. ”
Netanyahu deve esta proposta uma brincadeira…
Ele não está pensando em tirar seu exército da Cisjordânia, nem em direitos humanos.
Foi justamente para combater quem os defende que criou uma outra lei anti-democrática.
Por ela, as organizações de direitos humanos que recebem a maioria de seus recursos de entidades de Estados estrangeiros devem informar ao governo a origem e valor desses recursos.
E isto através de todos os meios de comunicação: TV, jornais, cartazes e online.
Para que?
Afinal a grande maioria das 27 ONGs visadas publica estas informações nos seus sites.
Responde John Kirby, portavoz do departamento de Estado americano. Ele diz que os EUA estão preocupados pois a lei poderá exercer um “efeito assustador” nas atividades das ONGs.
Elas  tem denunciado as frequentes violações dos direitos humanos por Telavive.
Obrigando-as a divulgarem as contribuições que vem exterior, os dirigentes de Israel esperam que o povo as encare com desconfiança. Devidamente estimulado, poderá considerar as ONGs verdadeiros agentes estrangeiros, que querem sujar o bom nome do país.
Pegando carona na chamada “NGO Law”, a Im Titzu, organização radical ligada ao governo, acusou importantes ONGs de direitos humanos   israelenses  de serem traidores, financiados por países europeus  para criar conflitos em Israel e sujar sua imagem internacional.
Talvez até indiretamente responsáveis pela onda de atentados a faca.
Não foi sem razão que Isaac Herzog, líder da oposição denunciou a lei “por indicar, mais do que qualquer coisa, o fascismo nascente que se insinua na sociedade de Israel. ”
Reforçando a posição de Herzog, a ministra da Cultura, Miri Regev, vem procurando reprimir a oposição política nas artes.
Como assinala o The Guardian, de 1-3-2016: “Ela tem sido criticada pelos seus ataques à liberdade dos artistas, sendo que o último foi sua proposta de se dar financiamento público somente a artistas leais a Israel. “
“O que está acontecendo agora em Israel é fascismo’ comenta David Tartakover, famoso artista gráfico (The Guardian, 1-3-16) “.
A mais recente lei da torrente agressiva do governo determina a suspensão ou expulsão dos parlamentares acusados de incitação racista ou de apoiar movimentos armados contra Israel.
Para a oposição, foi feita para atingir os legisladores árabes e princípios democráticos como a liberdade de expressão.
Como quem decide é a maioria parlamentar de direita, um deputado árabe israelense que critique a desigualdade de direitos entre seu povo e os judeus, não será de estranhar se for cassado por “incitação racista”,
Contra essa ameaça potencial, ergueu-se a voz do próprio presidente de Israel , Reuven Rivlin, que  condenou a nova lei.
Ele contesta o poder conferido a parlamentares de condenarem seus próprios colegas. Por sinal, o parlamento é dominado por direitistas, adeptos do governo Netanyahu.
Mas a maré de leis anti- antidemocráticas propostas pelo regime não deve refluir tão cedo.
Já estão sendo discutidas nas comissões do parlamento legislações que prescrevem pena de morte exclusivamente para palestinos, suprimem a livre expressão e expulsam de Israel as famílias de terroristas.
Leis assim irão gerar um isolamento cada vez maior de Israel.
Isso não perturba muito Netanyahu.
Ele se preocupa mais com a opinião do seu povo. Melhor dizendo, do eleitorado israelense.
Que vê atualmente os palestinos como perigosos inimigos. E aprova as leis repressivas de uma ameaça que se eterniza e seu autor, o primeiro-ministro, como um vigoroso protetor do país.
Com a nota alta que tem recebido da maioria dos judeus israelenses, iludidos por ele, Bibi espera contar com apoio total nas lutas contra os movimentos palestinos de libertação.
Mais do que isso: com seus votos nas próximas eleições.
Quanto a pressões da comunidade internacional para que respeite as decisões da ONU em favor dos palestinos, Netanyahu continuará esbravejando.
Mas na verdade não estará tão preocupado assim.
Ele sabe que, por mais condenações que receber da Europa e protestos dos EUA (deverão cessar no próximo governo), jamais será forçado a adiar a independência da Cisjordânia, como já declarou em comício. Nem a retirar as tropas de ocupação, cessar as violências contra defensores dos direitos humanos e deixar de discriminar os árabes israelenses.
Nem brecará a expansão dos assentamentos, antes que ele achar conveniente.
Mesmo que a maioria do Conselho de Segurança da ONU vote sanções contra Israel por qualquer dessas violações de direitos internacionais,  o novo governo dos EUA americano, seja Trump ou Hillary Clinton, vetará na certa.
E se Obama ousar no fim do seu mandato propor alguma iniciativa que desagrade  Telavive, certamente a oposição dos seus aliados nos EUA obrigará o presidente americano a desistir.
E assim a democracia israelense que um dia foi quase perfeita e posteriormente tornou-se imperfeita, poderá acabar não sendo democracia.

 

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