Embora reconheça o problema que antes negava, presidente Bolsonaro insinua que ONGs podem estar por trás das queimadas que já atingem reservas indígenas
As florestas queimam como nunca antes nos últimos cinco anos no Brasil. O país registrou, entre janeiro e o último dia 19 de agosto, um aumento de 83% das queimadas em relação ao mesmo período de 2018, com 72.843 focos de incêndios até o momento. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que monitora o desmatamento por meio de imagens de satélite e foi desacreditado pelo presidente Jair Bolsonaro, que chegou a questionar a veracidade dos dados de desmatamento do instituto.
O fogo está progredindo mesmo em áreas de proteção ambiental: 68 incêndios foram registrados em territórios indígenas e áreas de conservação somente nesta semana, a maioria deles na região amazônica. O estado de Mato Grosso, na região centro-oeste do Brasil, lidera as queimadas com 13.682 focos de incêndio em 2019 - um aumento de 87% em relação ao mesmo período do ano passado -, segundo o INPE. Mesmo entre julho e setembro, quando é proibido promover queimadas naquele Estado, houve um aumento de 205% no número de incêndios.
Mato Grosso vive do agronegócio com a exportação de soja, milho e algodão. O Estado comporta o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, que já perdeu 12% de sua vegetação, e o Parque Serra do Ricardo Franco, na fronteira com a Bolívia, considerado pela Unesco como patrimônio natural da humanidade. O Pantanal, um bioma endêmico no Brasil que também queimou esta semana, é outro ecossistema ameaçado no Mato Grosso. Lá é difícil combater o fogo, já que não há estradas na região e apenas pequenos barcos podem circular por um labirinto de rios.
O desmatamento e as queimadas ganharam repercussão internacional, principalmente depois que São Paulo, a cidade mais industrializada do país, a 3.000 quilômetros da Amazônia, viu o céu escurecer na última segunda como consequência do mau tempo misturado à fumaça das queimadas vindas do Norte e da região central. Um teste realizado pelo Jornal Nacional mostrou que a água da chuva daquele dia estava contaminada com fuligem de fogo. Quem resistia aos alertas dos ambientalistas sobre a seriedade do momento para as florestas, se convenceu ao ver com seus próprios olhos a consequência dos incêndios. Fotos da Amazônia desmatada invadiram as redes sociais e a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro cresceu como nunca antes.
Fiel ao seu estilo, o presidente brasileiro inverteu as responsabilidades. Ele rotulou a onda de queimadas florestais no país de “criminosa” nesta quarta e, sem apresentar evidências, disse que as ONGs que atuam na proteção ambiental podem estar envolvidas em incêndios ilegais. “Pode haver – não estou afirmando – uma ação criminosa dessas ONGs para chamar a atenção precisamente contra mim, contra o governo do Brasil. Esta é a guerra que enfrentamos. Faremos todo o possível e impossível conter o fogo criminoso ”, disse ele.
O fogo ocorre principalmente em propriedades particulares. Desde janeiro, 60% dos focos de incêndio ocorreram em áreas privadas registradas no Cadastro Ambiental Rural do Brasil, 16% em terras indígenas e 1% em áreas protegidas. Parte dos focos de incêndio em áreas protegidas é uma consequência do desmatamento, segundo um relatório do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), publicado na terça-feira. Muitas dessas áreas também sofrem invasões e arrendamentos de terras ilegais. Os dez municípios da Amazônia que mais queimaram foram os que apresentaram as maiores taxas de desmatamento.
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Juntas, essas cidades são responsáveis por 37% das queimadas registradas em 2019 e por 43% do desmatamento registrado até julho. Há casos em que o fogo é usado de maneira controlada para limpar os campos, mesmo em áreas protegidas com presença humana, como nas aldeias indígenas e nas reservas extrativistas, diz o IPAM. Mas algo saiu de controle, como o próprio governo e o Ministério do Meio Ambiente reconhecem. "A situação é realmente preocupante e vamos trabalhar para combater as queimadas", admitiu o ministro Ricardo Salles, quando participava de uma reunião sobre mudanças climáticas. Salles sentiu a sensibilidade do momento enquanto falava na abertura do evento. Ele foi vaiado pela audiência enquanto tentava se fazer ouvir.
Bolsonaro, por sua vez, vem se desgastando a cada dia com sua retórica bélica e perdendo o respeito da comunidade internacional, como ficou claro no caso do Fundo Amazônia. Parte da luta contra os incêndios florestais no Brasil é financiada por esse fundo, o mecanismo de cooperação internacional que tem contribuído com mais recursos para reduzir os gases de efeito estufa do desmatamento. A Noruega, o principal doador, anunciou o congelamento de ajuda para projetos de conservação da Amazônia por um montante de 30 milhões de euros, depois que o governo brasileiro mudou unilateralmente a equipe de gerenciamento que administra o fundo. A Alemanha, o outro país patrocinador, já havia suspendido contribuição semelhante pouco antes.
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