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Na selva de Luanda vivia um macaco que os
cultivadores e crentes só em tradições temiam e aplaudiam. Os seus
companheiros, devido às poucas capacidades de raciocínio, porque ele era
um pouco menos limitado nas ideias e no uso das palavras, escolheram-no
para Rei dos macacos.
Rapidamente decidiram percorrer
todo o território da selva, muito satisfeitos, publicitando que tinham
escolhido para Rei um macaco muito sábio, inteligente e astuto. E ainda
acrescentavam que ele fora o criador do sol, das estrelas e da lua, dos
rios e dos mares, da terra e do céu, do vento e da chuva, do frio e do
calor, e tinha o dom para decidir quando deveriam principiar ou terminar
as estações da chuva ou do cacimbo.
O leão, inicialmente contrariado, acabou por aceitar, pacificamente,
ser destronado de Rei da selva. Ele era forte e feroz, mas não era muito
inteligente e, sobretudo, era pouco corajoso. Bastava que alguém o
olhasse de frente, olhos nos olhos, e demonstrasse não ter receio de o
enfrentar, para ele se acobardar e deixar de defender os seus ideais e
as suas ambições.
O elefante, sempre de trombas, só pretendia que o criador da chuva e
os seus seguidores não se zangassem, para que o Rei não obrigasse a
vegetação a atravessar longos períodos de seca, o que poderia
comprometer a continuidade da sua espécie, sobretudo dos seus
descendentes.
A girafa, sempre com a cabeça no ar, não acreditou na propaganda dos
tradicionalistas, mas também não estava interessada em pensar criar
novas teorias para a organização e gestão da selva. Ela não desejava
ocupar um lugar no poder. Caminhava com o seu comportamento habitual,
sempre muito calma, e não se misturava muito com os outros animais. A
girafa sabia que possuía um coice muito forte, mortífero, se fosse
incomodada, mas não queria envolver-se em conflitos.
A hiena, apresentando-se como jurista, politóloga, deputada e
constitucionalista, não se cansava de gabar a eloquência e muitas outras
falsas virtudes do Rei Macaco. Ela era muito aplaudida pelos
companheiros e seguidores do macaco. Vários animais detestavam a sua
presença, porque a hiena cheirava muito mal.
Quase todos os outros animais da selva, por comodismo ou conformismo,
aceitavam ou não se incomodavam com o despotismo do Rei Macaco.
O Rei Macaco, novo depois de ser entronado, foi envelhecendo.
Enquanto decorreu esse processo, natural em todos os seres vivos, muitas
crianças foram nascendo e crescendo, ouvindo as vozes da tradição que
repetiam: o Rei Macaco Velho é muito sábio, inteligente e astuto, ele
foi o criador do sol, das estrelas e da lua, dos rios e dos mares, da
terra e do céu, do vento e da chuva, do frio e do calor, do petróleo e
dos diamantes e tem o dom e o poder para decidir quando devem principiar
ou terminar as estações da chuva ou do cacimbo.
Os descendentes do Rei Macaco Velho, de outros macacos e de outras
populações da selva foram ensinados a respeitar, a obedecer e,
principalmente, a temer o Rei, sem nunca o desafiarem ou contrariarem, e
receavam as consequências drásticas que o Macaco Velho poderia decidir,
se o afrontassem. Em última instância ele poderia suspender as chuvas e
todos morreriam de fome na selva.
Um dia surgiu na selva de Luanda uma palanca, jovem adulta, bastante
viajada. Ela visitara outras selvas e percorrera muitas planícies e
montanhas, areais e anharas, terras fartas de alimentos e outras
desérticas, durante vários ciclos do seu tempo de vida como adulta. A
palanca, depois de avisada e intimidada para que respeitasse as normas,
leis, crenças e tradições vulgarizadas na selva de Luanda, acerca do Rei
Macaco Velho, opinou que elas não eram verdadeiras e o Macaco Velho,
com uma astúcia muito elevada, era desonesto, pouco inteligente e nada
sábio.
A palanca informou as restantes populações de que a cultura do medo
imposta durante alguns decénios naquela sociedade limitava as
potencialidades para o crescimento da capacidade de raciocínio
inteligente e construtivo dos diferentes animais da selva, impedindo-os
de serem verdadeiramente independentes e adultos.
Se eles fossem capazes de utilizar todas as potencialidades com que a
Natureza os havia dotado, seriam muito mais felizes numa vivência em
harmonia de complementaridade. Ela disse-lhes também que todos os
poderes ou dons que atribuíam ao Macaco Velho não eram dele, eram da Mãe
Natureza. A palanca concluiu afirmando: a felicidade não é imposta,
dirigida e policiada, é construída com inteligência e muita imaginação e
dedicação, promovendo, respeitando e valorizando a simplicidade, não a
facilidade e a futilidade.
Os companheiros e seguidores do Macaco Velho, muito enfurecidos,
reuniram-se na tentativa de encontrarem estratégias e argumentos para
desacreditarem a palanca e condenarem-na por blasfémia. Não conseguiram.
Resolveram reconhecer alguma, muito pouca, razão à palanca e
contrapuseram:
- Pode ser que sejam verdadeiros alguns dos teus argumentos, palanca.
O Rei Macaco Velho está há muitos anos no poder, vai a caminho de
quatro décadas. Ele tem muito dinheiro, muita experiência de vida e só
ele é que sabe organizar governos e gerir todos os recursos
populacionais e naturais existentes na selva de Luanda. Ele é respeitado
e temido por muitas populações desta selva e de outros territórios.
Quem és tu, palanca, ainda relativamente jovem, para tentares destruir a
imagem e enxovalhar o curriculum, com uma grande experiência de vida e,
principalmente, de governação, do Rei Macaco Velho? És uma ingénua,
doentiamente vaidosa e ambiciosa, com pouca experiência do que é a vida,
desde o nascimento até ao envelhecimento. O Rei Macaco Velho pensou e
ditou as Leis, que nós escrevemos, para a administração e gestão de todo
o território. O Rei Macaco Velho é o único com experiência e sabedoria
para decidir o que devem ser as vontades e as necessidades das quatro
gerações: crianças, jovens, adultos e adultos de avançada idade.
A palanca respondeu-lhes dizendo que o curriculum do Macaco Velho
servia como referência de um mau exemplo, para as gerações actuais e
vindouras aprenderem e não repetirem tantos erros e contradições que
conduziram a consequências muito nefastas em todo o território. A não
repetição desses crimes e atropelos permitiria, às futuras gerações,
mais bem formadas e adultas, não temerem os desafios e destruiria muitos
sofismas, fobias, preconceitos e tradições, para que a selva de Luanda
se transformasse num território de harmonia, com uma diversidade
construtiva em complementaridade.
Os companheiros e seguidores do Macaco Velho ficaram muito irritados.
Ordenaram aos seus descendentes e seguidores que expulsassem a palanca
da selva de Luanda, para um sub-território frequentemente percorrido por
caçadores furtivos.
O Jaguar Estúpido e Sanguinário, o caçador furtivo mais famoso e
temido em todas as selvas da África Austral e arredores, ao ver a
palanca só, abandonada, achou-a uma presa de elevado interesse para
troféu de caça. Levantou a sua arma, capaz de tirar a vida a um dos
dinossauros mais corpulentos e resistentes, fez a pontaria e disparou
três tiros, com objectivo de atingir o coração da palanca.
A palanca não morreu. Não chegou a ser trespassada por esses três
tiros. Quando as balas lhe tocaram na pele, ela transformou-se na rosa
de porcelana mais bela que alguma vez nasceu em toda a África Austral.
Alguns anos mais tarde, depois da morte do Macaco Velho, essa rosa de
porcelana foi colhida e acariciada por uma menina de sorriso hialino
permanente, a Angola. A menina nascera e crescia numa casa repleta de
justiça e amor, com um quintal povoado de muitas flores de inteligência e
coragem a desabrocharem continuamente, porque as plantas de onde
brotavam eram regadas com carinho e fertilizadas com muita compreensão,
atenção e imaginação.
Quando a menina Angola cheirou essa rosa de porcelana, a flor
transformou-se na princesa Alegria, que passou a viver no rosto de todas
as crianças de África e dos restantes continentes do planeta Terra.