Antigo ministro dos Transportes responderá por seis crimes, no caso que envolve o Conselho Nacional de Carregadores, segundo o despacho de pronúncia a que o Novo Jornal teve acesso em exclusivo.
O antigo ministro dos Transportes Augusto da Silva Tomás, em prisão prevenida desde Setembro do ano passado, irá responder por seis crimes, após despacho de pronúncia do Ministério Público a que o Novo Jornal teve acesso em exclusivo.
O juiz de pronúncia, que decidiu manter a medida de coacção pessoal aplicada no ano passado ao ex-dirigente, bem como a outros arguidos do processo, justifica a decisão com o entendimento de que “não se registam alterações de vulto conducentes à substituição das medidas de coacção que lhes foram aplicadas, mantendo-se as mesmas”.
O despacho de pronúncia, assinado a 18 deste mês, dá conta de que Augusto Tomás está acusado dos crimes de peculato, na forma continuada; um crime de violação das normas de execução do plano e orçamento, na forma continuada; um crime de abuso de poder, na forma continuada; dois crimes de participação económica em negócio; um crime de branqueamento de capitais; e um crime de associação criminosa.
A acusação pretende-se com o processo que liga ao antigo ministro ao Conselho Nacional de Carregadores (CNC), organismo do Estado com a função de controlo das operações de comércio e transporte marítimo internacionais, ao qual compete certificar a mobilidade de cargas e o controlo de frete de e para Angola e a gestão da Rede nacional de Plataformas Logísticas.
A actividade financeira do CNC está sujeita, segundo estatuto orgânico, ao controlo exercido por um Conselho Fiscal, que nos termos da Lei seria nomeado pelo órgão de tutela (Ministério dos Transportes), sendo composto por um presidente indicado pelo ministro das Finanças e dois vogais indicados pelo ministro dos Transportes. O referido Conselho Fiscal seria o órgão incumbido de proceder à verificação regular dos fundos existentes, assim como fiscalizar a escrituração da contabilidade. Entretanto, a acção de peritagem desencadeada pelo Departamento Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), afecto à Procuradoria-Geral da República (PGR), apurou que, desde que chegou ao ministério, em Novembro de 2008, Augusto Tomás “evitou esta verificação e controlo”, não tendo nomeado nunca nomeou o referido Conselho Fiscal do CNC.
A análise das contas do CNC efectuada pela DNIAP, na qualidade de participante, teve como ponto de partida o ano de 2008, quando Augusto Tomás teria ordenado alegadamente a adquisição 10% do capital social da HFA – Holding Financeira Angola que, à data do suposto investimento, não funcionava, uma vez que não havia ainda sido legalmente constituída, nem o Estado tinha regulamentada a actividade para a qual estaria vocacionada.
As investigações apuraram um investimento na ordem dos 7.500.00,00 USD (sete milhões e quinhentos mil dólares norte-americanos), investimento que veio a ocorrer apenas a com a publicação do Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/13, de 10 de Outubro, regulamentado a 30 de Outubro (Regulamento n.º 03/14). Segundo o Ministério Público, por estar a HFA – Holding Financeira Angola impossibilitada de funcionar, em 2011, Augusto Tomás, enquanto ministro dos Transportes que tutelava o CNC, mediante proposta dos co-arguidos, autorizou que os 7.500.00,00 USD fossem destinados à compra de 1% das acções do Banco de Negócio Internacional, a fim de participar no capital social desta instituição.
Situação semelhante teria ocorrido em relação a uma outra sociedade, a ASGM, Automóveis de Angola S.A., sociedade por quotas, cujo objecto social é a montagem de viaturas (SKD) de marca Volkswagen, e que tem como accionistas as empresas Suninvest S.A., representada pelo senhor Ismael Diogo da Silva, Acapir LDA, representada pela senhora Welwitschia dos Santos, bem como António de Jesus Castelhano Maurício, Francisco Raimundo Pinheiro e Mbakassy e Filhos, LDA.
“Numa altura em que a ASGM se encontrava débil financeiramente, o arguido Augusto Tomás da Silva foi contactado, tendo-se predisposto em financiar a ASGM. Para o efeito, ordenou que o CNC adquirisse participações sociais na ASGM, S.A., tendo o CNC, em 2009, desembolsado o valor de USD 9.600.000,00 (nove milhões e seiscentos mil dólares norte-americanos) para adquirir acções correspondentes a 8% do capital social […]”, escreve o Ministério Público na acusação, chamando a atenção para o facto de, à data dos factos, o CNC ser apenas “um órgão de apoio técnico do Governo, presidido pelo ministro dos Transportes, estando impossibilitado de adquirir participações sociais”.
Augusto Tomás é ainda acusado de ter violado a Lei da Probidade Pública, que consagra que o agente público na sua actuação deve pautar-se pelos princípios da legalidade, da imparcialidade e da prossecução do interesse público.
“Não observou a legalidade tendo introduzido no CNC empresas nas quais tinha interesses, pois assinava as contas bancárias destas como sócio, é o caso, de entre outras, da Nova Somil, bem como da Niosa. Aliás, esta recebeu do CNC em 2009, USD 81.925,00 (oitenta e um mil, novecentos e vinte e cinco), não tendo sido justificado as razões da recepção destes valores”, anuiu a acusação do MP.
De acordo aquele órgão de justiça, as duas empresas alegadamente pertencente a Augusto Tomás foram contratadas em desobediência ao processo de concurso como prevê a Lei n.º 20/10, de 7 de Setembro, substituída pela Lei n.º 7/16, de 16 de Junho, que estabelece o regime jurídico relativo à contratação pública, sendo para alguns contratos exigível o concurso público, tendo em atenção o valor do contrato.
“Tal como já se referenciou, a indisciplina financeira que havia no CNC era do conhecimento do ministro dos Transportes, o arguido Augusto da Silva Tomás, pois o pagamento referente ao afretamento de aeronave para a sua deslocação ao interior e exterior do país era efectuado pelo CNC, cujo ofício de solicitação de pagamento era ali remetido pela Secretaria Geral do Ministério dos Transportes”, argumenta a acusação.
As despesas para o afretamento de aeronaves para as delegações do ministro dos Transportes, não estariam, segundo o documento, previstas no orçamento do CNC, que era diferente do orçamento do Ministério dos Transportes, uma vez que o CNC tem orçamento próprio. A explicação detalha pormenores desta operação com o afretamento das aeronaves:
“A companhia afretada com frequência era a Bestfly – Flight Suport, não constando nos despachos para o afretamento a discriminação dos integrantes das delegações, nem as razões que levavam a fazer-se recurso a uma via mais dispendiosa cujo pagamento era imputado ao CNC, o certo é que esta instituição despendeu, com fretes de aeronaves, com somas avultadas no valor de AKZ 68.2249.954,00 (sessenta e oito milhões, duzentos e quarenta e nove mil e novecentos e cinquenta e quatro kwanzas), USD 3.057.896,00 (três milhões, cinquenta e sete mil e oitocentos e noventa e seis dólares norte-americanos) e EUR 278.894,00 (duzentos e setenta e oito mil e oitocentos e noventa e quatro euros)”.
OUTRAS REVELAÇÕES: Investigações concluem que Augusto Tomás obrigou CNC a pagar despesas do Ministério dos Transportes
O CNC surge também nas investigações que citam ainda que o órgão foi obrigado a realizar uma série de despesas a favor do Ministério dos Transportes, que também possuía dotação orçamental própria. As despesas foram gastas com telefonia, subsídios diversos aos funcionários, apoio à Área Administrativa do Ministério dos Transportes, pagamento de encargos e despesa de capital.
Augusto Tomás é também acusado de usar os dinheiros do CNC para suportar as despesas do Ministério dos Transportes, que se encontravam devidamente cabimentadas e cuja verba tinha sido aprovada, tendo, no período de 2014 a 2017, o CNC despendido um total em kwanzas no valor de 23.226.937,00 (vinte e três milhões, duzentos e vinte e seis mil e novecentos e trinta e sete kwanzas), e USD 1.557.666,00 (um milhão, quinhentos e cinquenta e sete mil e seiscentos e sessenta e seis dólares norte-americanos).
“No mesmo período, para a Área Administrativa do Ministério dos Transportes, o CNC gastou em kwanzas 138.484.743,00 (cento e trinta e oito milhões e setecentos e quarenta e três mil), USD 1.476.715,00 (um milhão, quatrocentos e setenta e seis mil e setecentos e quinze dólares norte-americanos) e EUR 293.904,00 (duzentos e noventa e três mil e novecentos e quatro euros)”, acusa o Ministério Público.
As referidas despesas consubstanciavam-se em apetrechamento de instalações, pagamento de assistência técnica, concepção e a manutenção da EXPOTRANS, pagamento de factura da ENDE, reparação de viaturas, serviços de limpeza no ISGEST, aquisição de cadeiras, pagamento do registo de propriedade das carrinhas de serviço dos órgãos do Ministério dos Transportes, compra de tablets, tratamento e manutenção das plantas, limpeza de tapetes e cadeirões do Ministério dos Transportes, reparação do sistema de bombagem de água do edifício do Ministério dos Transportes, entre outras.
Todas estas despesas, refere o despacho de pronúncia, realizadas por ordem ou autorização de Augusto da Silva Tomás. O CNC pagava ainda os subsídios de alimentação dos funcionários do Ministério dos Transportes, que consistia na atribuição de uma verba para consumo nos supermercados Jumbo e Kero. No primeiro valor, avança o documento da PGR, era pago em dólares e o segundo em kwanzas, perfazendo assim um total de 5.235.030,00 USD (cinco milhões, duzentos e cinquenta e três mil e trinta dólares norte-americanos) e 108.939.800,00 Kz (cento e oito milhões, novecentos e trinta e nove mil e oitocentos kwanzas)
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